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A hora do Open Messaging

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“Gostaríamos de avisar que a partir de agora o Morse será enviado por outro gerenciador de e-mail e, para continuar nos acompanhando você não poderá mais nos acessar pelo seu agregador favorito de e-mail. Você agora vai precisar baixar um novo aplicativo para ler nossos e-mails. Ah, o nosso Podcast também será agora publicado num App específico e precisamos que você baixe esse novo aplicativo para continuar interagindo conosco”. Se isso parece estranho para vocês quando falamos em e-mail e podcast, por que achamos “normal” no mundo dos aplicativos de mensagem? Pois foi justamente isso o que aconteceu nos últimos dias: pessoas, grupos e empresas tendo de se reorganizar para migrar conversas de um aplicativo para outro, movimento complexo de ser feito pois depende da adesão de todos, ou quase todos, os participantes. Lembrando aqui que apps de mensagem possuem tecnologias mais modernas, lançadas anos depois, mas que parecem ter amarras de um passado que não existiu… a falta da interoperabilidade. E no Morse de hoje resolvemos aprofundar e desafiar, o motivo.

Se não for assim, não brinco mais

Esse assunto acabou entrando em evidência por uma outra mensagem que nós – e todos os usuários de fora da Europa – recebemos do WhatsApp no começo do ano, em tom impositivo e indo contra uma promessa lá de 2014, que dizia algo como: “permita que o app compartilhe seus dados com o Facebook, ou não poderá mais usar o Whats a partir de 8 de fevereiro.” A perplexidade trazida por essa mudança não foi apenas nossa, mas do mercado como um todo. Tanto que, em poucos dias, os rivais do app verdinho – a saber, Telegram e Signal – explodiram em quantidade de downloads. O Telegram mesmo informou que chegou aos 500 milhões de usuários ativos (sendo que 25 milhões de downloads foram feitos apenas entre este domingo e terça-feira). O Signal, por sua vez, teve uma recomendação de Elon Musk e outra vinda de dentro da Apple (que vale lembrar também tem seus interesses no jogo das Big Techs por dados e usuários), que indicou o aplicativo na App Store como uma das aplicações “privacy friendly”, o que levou o app a uma alta de 4.200% nos downloads. Fun fact: o Signal foi criado por Brian Acton, um dos fundadores do WhatsApp.

I want you to stay

O Google, que aparentemente não entrou no quiproquó da semana, não está exatamente afastado da ‘’batalha dos apps de mensagem”. Há menos de três meses eles anunciaram o Mensagens, um app de chat criptografado baseado no RCS (o Rich Communication Services, um tipo de SMS que pode enviar arquivos multimídia). Para chegar neste app, o Google trabalhou por três anos com operadoras de todo o mundo e, assim, conseguiu unificar o padrão da mensagem. Tudo isso dito para dizer que, assim como os demais apps de mensagem, o “Mensagens”, apesar de multi operadora, também tem suas restrições e não consegue enviar nada para fora de seu ecossistema.

Lock me out!

E, por que, afinal de contas, tecnologias mais recentes, e modernas, têm amarras que nem o e-mail, criado anos antes, possui? A resposta é simples, está no meio do campo de batalha do que temos chamado de #DataWars, e reside em um termo muito difundido no mundo da tecnologia, o lock-in, que na tradução pela Wikipedia tem um termo ainda mais forte: aprisionamento tecnológico. E que, quando levado ao nível mais radical, é encaixado em um outro conceito: “the winner takes all”, que na tradução literal já traz seu significado, a empresa ou tecnologia que assume a liderança, por consequência e inércia, acaba levando o mercado inteiro. Para facilitar, ao invés de usar termos, podemos explicar melhor a partir de números: 99% dos usuários brasileiros têm o WhatsApp no celular, 93% das pessoas usam o aplicativo todos os dias. Aqui temos o melhor exemplo do Lock-in levado ao extremo do “winner takes all” pois se torna praticamente impossível um novo player entrar, de forma relevante, no mercado de messaging apps.

Uma mensagem vale mais que mil (muitas outras coisas)

O ponto importante aqui é que não estamos falando apenas de troca de mensagens entre pessoas, ou o grupo de mensagens dos amigos ou da família, estamos falando de um novo ecossistema de negócios, que muitos já chamam de Messaging Economy, e expande seus tentáculos por diversos mercados. No Brasil o próprio WhatsApp já lançou o Catalog e o Pay; na China, por exemplo, o WeChat, que nasceu como App de Mensagens e virou um SuperApp, já é e-commerce, banco e muito mais. Para as Big Techs – e para o Facebook – ter um app de mensagem tão difundido significa garantir um espaço importante para manter o usuário ligado em seus sistemas diariamente – e, assim, trocando dados, criando oportunidades de ativação e abrindo oportunidade para vários outros negócios. Por outro lado, para alguém entrar nesse espaço, é algo praticamente impossível, e é justamente nesse ponto que diversos órgãos reguladores acreditam que essa conversa foi longe demais, com o perdão do trocadilho.

Só vou se você for

Isso porque existe uma particularidade dos apps de mensagem que é mais desafiadora até que o dos Apps de social media: o efeito em rede. Pense por exemplo no TikTok versus WhatsApp. O que acontece se você for o primeiro amigo da turma a baixar cada um deles, e nenhum dos seus amigos ainda tiver descoberto esse “novo aplicativo”? No caso do TikTok, com diversos conteúdos de terceiros, ou de celebridades, que podem ser selecionados para você com base em diversos algoritmos de inteligência artificial, é possível que você se torne um usuário, até frequente, antes dos outros amigos aderirem à nova comunidade. Já no App de mensagens não é bem assim, baixar um app com propósito de conversar com seus amigos sem que eles estejam ali é a aplicação prática do GIF do John Travolta. Ou o clássico “não vou baixar um aplicativo para conversar, se eu não tiver com quem conversar nele”. Foi o poder de criar essa conexão que, para alguns especialistas, explicou a aquisição do WhatsApp pelo Facebook lá em 2014 por US$ 19 bilhões. Na época, o WhatsApp tinha cerca de 450 milhões de usuários pelo mundo – e o Facebook tinha 945 milhões de usuários no Mobile. Em 2020, o Facebook chegou a 2,7 bilhões de usuários; e o WhatsApp? Mais de 2 bilhões. Para alguns especialistas, o smartphone poderia diminuir o valor do efeito em rede, isso porque, bem, uma pessoa pode ter vários apps da mesma finalidade no smartphone. O que vimos acontecer com os aplicativos de mensagem, no entanto, mostrou o contrário: as pessoas tendem a ser fiel a um app e não saem, exatamente, porque os amigos e familiares estão nele (ou seja, a rede). Isso sem contar na questão do histórico que está ali.

Content is King, nas mensagens também

Juro que não estamos puxando sardinha pro lado dos produtores de conteúdo mas, se já ficou claro que apps de mensagens têm um desafio maior para “migrar usuários”, o conteúdo tem ajudado bastante. Como? Com os Grupos e Listas. Ultimamente diversas empresas já vinham utilizando o Telegram, por exemplo, como aplicativo para envio de conteúdo por mensagens, já que o app possui funcionalidades melhores para essa prática do que o próprio WhatsApp. E, para os produtores de conteúdo, distribuir o que eles criam por aplicativos de mensagens é também melhor, já que a lógica de distribuição, diferente dos apps de Social Media, não é baseada em algoritmos comandados por terceiros. Ou seja, você tem a garantia que seu conteúdo chegará sempre a 100% de seus seguidores, e não em menos de 10% como muitas vezes acontece no outro caso.

Mensagens vs Emails

Aqui a gente para um pouco para fazer um exercício: imagine se, quando a internet foi criada, os e-mails só pudessem ser enviados dentro de um único ecossistema? Sim, quem tivesse sua conta @bol.com.br não conseguiria mandar e-mail para quem tivesse o @zipmail.com … (estamos denunciando a idade com essa frase? Talvez). Viveríamos em um mundo de bolhas e comunidades: a turma do Gmail, a turma do Hotmail e por aí vai… Mas, tirando a questão do lock-in, o mundo das mensagens poderia ser diferente?

PIX & UMP

De Zap para Telegram, passando por Signal, Jabber e Slack, você nunca se perguntou por que uma mensagem não poderia ser enviada do WhatsApp para o Telegram? Ou do iMessage para o WeChat? Ou para o Signal? Slack? Jabber?

Se a questão é a criptografia e a segurança – importantíssimas quando se tratam de troca de mensagens, trazemos aqui um outro exemplo: o Pix. Houve um esforço coletivo para se criar uma plataforma única e segura, baseada em algumas chaves de segurança, para que o dinheiro seja trocado entre contas, sem se pagar taxas. Plataforma essa que, nos últimos dias, foi usada para, isso mesmo, mandar mensagens. Veja só essa história aqui. Se já existe o Open Banking e há um planejamento para se criar o Open Delivery, não estaríamos no momento do Open Message? Ou melhor, do Unique Messaging Protocol (UMP)?

Aconteceu com o SMS…

No UMP, o usuário teria um tipo de identidade própria e intransferível para usar todos os aplicativos de mensagem, e as mensagens, em si, poderiam ser enviadas entre serviços diferentes. Assim como acontece no SMS, que tem no número de celular o seu identificador, ou o PIX que até permite uma lista de chaves maior. Com as mensagens, isso poderia ser pelo número do celular ou e-mail, ou quem sabe abrindo para novos IDs!. Ainda pensando na segurança das mensagens dessa interoperabilidade, por que não usar um sistema baseado no blockchain? Assim os dados estariam sempre descentralizados, e, mais seguros. Dois pesquisadores da Sorbonne já mostraram que o blockchain pode ser usado para guardar as chaves digitais, a “assinatura digital” e a informação das mensagens em um sistema de comunicação P2P. Tirando todo o tecniquês, o maior benefício que esse tipo de mensageria traria para nós, como usuários, seria a capacidade de deter os nossos dados, independente de device ou aplicativo usado.

Quero falar com o gerente.

De maneira prática, para a gente, trocar de aplicativo de mensagem é quase como trocar de número de celular: perdemos nosso histórico e, principalmente, nossos contatos. Esse é um fator importante no “lock in” de um WhatsApp ou iMessage. E é um pouco como os “walled gardens” se baseiam: os seus dados são seus, contanto que você fique dentro do cercadinho deles. A partir do momento que você opta por sair, os seus dados de histórico não estão mais disponíveis para você plugar em outra plataforma. E esse é o pulo do gato: você pode, de fato, baixar tudo que tem no seu WhatsApp, mas qual o valor desses bits e bytes se você não consegue fazê-los funcionar em outro app? Se os seus dados são seus mas só conseguem ser lidos em apenas um sistema, um aplicativo ou um device, eles são mesmo seus? E a privacidade, palavra-chave das Big Tech durante esse quiproquó com o WhatsApp, o que ela significa num segmento em que os seus dados não são, de fato, seus, mas do sistema? A proposta de ter a “interoperabilidade de mensagens” daria autonomia ao usuário. E, no mundo da privacidade first, ser dono dos dados, não os dados brutos, mas os dados utilizáveis, é deter a ponta mais importante da relação com um algoritmo.

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